1 de dezembro de 2015

JOCKEY AMARELO



O Maestro Sacode a Batuta


O maestro sacode a batuta, 
A lânguida e triste a música rompe... 

Lembra-me a minha infância, aquele dia 
Em que eu brincava ao pé dum muro de quintal 
Atirando-lhe com, uma bola que tinha dum lado 
O deslizar dum cão verde, e do outro lado 
Um cavalo azul a correr com um jockey amarelo... 

Prossegue a música, e eis na minha infância 
De repente entre mim e o maestro, muro branco, 
Vai e vem a bola, ora um cão verde, 
Ora um cavalo azul com um jockey amarelo... 

Todo o teatro é o meu quintal, a minha infância 
Está em todos os lugares e a bola vem a tocar música, 
Uma música triste e vaga que passeia no meu quintal 
Vestida de cão verde tornando-se jockey amarelo... 
(Tão rápida gira a bola entre mim e os músicos...) 

Atiro-a de encontra à minha infância e ela 
Atravessa o teatro todo que está aos meus pés 
A brincar com um jockey amarelo e um cão verde 
E um cavalo azul que aparece por cima do muro 
Do meu quintal... E a música atira com bolas 
À minha infância... E o muro do quintal é feito de gestos 
De batuta e rotações confusas de cães verdes 
E cavalos azuis e jockeys amarelos... 

Todo o teatro é um muro branco de música 
Por onde um cão verde corre atrás de minha saudade 
Da minha infância, cavalo azul com um jockey amarelo... 

E dum lado para o outro, da direita para a esquerda, 
Donde há árvores e entre os ramos ao pé da copa 
Com orquestras a tocar música, 
Para onde há filas de bolas na loja onde a comprei 
E o homem da loja sorri entre as memórias da minha infância... 

E a música cessa como um muro que desaba, 
A bola rola pelo despenhadeiro dos meus sonhos interrompidos, 
E do alto dum cavalo azul, o maestro, jockey amarelo tornando-se preto, 
Agradece, pousando a batuta em cima da fuga dum muro, 
E curva-se, sorrindo, com uma bola branca em cima da cabeça, 
Bola branca que lhe desaparece pelas costas abaixo... 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"